Cada vez mais, temos nos dedicado a produzir intensamente durante nossos anos de vida útil. Mais do que isso, nossos trabalhos representam partes quase fundamentais de nossas vidas; configuram a maior parte de nossas relações pessoais, conferem status a nossas existências, propiciam a crescente aquisição de bens de consumo e definem quase na totalidade os nossos planos e destinos. Com o avanço do modelo capitalista, onde “valemos o quanto produzimos”, homens e mulheres pesam toda e qualquer situação com base no impacto direto destas escolhas profissionais. Quem nunca pensou: “Não posso ter filhos porque eles não combinam com a escolha da minha carreira”?
Ok, mas o que há de errado nisso? Nada. Mas nossa sociedade em constante transformação alterou as dinâmicas familiares. Nós, mães, saímos de casa. Conquistamos cada vez mais espaços profissionais, ao longo do último século, e buscamos dividir nossas responsabilidades domésticas com os homens. Mas essa nova configuração tem um impacto direto na criação de nossos filhos.
Durante esta manhã, ouvi uma entrevista do secretário de Educação do Distrito Federal, na qual ele tratava sobre a demanda crescente de vagas em creches públicas e a defasagem ainda registrada na oferta. Segundo ele, como a educação é obrigação do Estado a partir dos quatro anos, a educação infantil ainda encontra-se aquém da necessidade real, embora o quadro seja muito melhor que nos últimos dez anos.
Um dos argumentos é que a nossa sociedade mudou – com o avanço das mulheres no mercado de trabalho, as crianças pequenas passaram a não contar mais com as mães e avós em casa para os cuidados na primeira infância. Apesar desse ingresso das mulheres na economia ser um movimento novo, o Estado não apresenta nenhuma celeridade de reação às novas demandas impostas pela sociedade.
Não é apenas uma questão financeira, mas a opção de trabalhar fora é condição sine qua non para a vida de muitas de nós, mulheres produtivas em toda a sua essência. Mas fato é que esse trabalho, que era destinado apenas às mulheres (mães, avós, cuidadoras) criou um gap ainda não bem administrado pela política educacional do país.
Devido à obrigatoriedade de universalização do atendimento para crianças de 4 e 5 anos, os esforços do governo em zerar o déficit neste segmento têm sido constantes e reais. Entretanto, para as crianças de 0 à 3 anos, pouco tem sido o progresso. Estima-se que existam mais de 20 mil crianças a espera de vagas nas creches do Distrito Federal e mais seis mil já estejam contempladas no ensino público*.
A educação infantil, de crianças nessa faixa etária, ainda é vista apenas como uma condição de logística para os pais que precisam trabalhar, ainda que saibamos que a estimulação de crianças na primeira infância é capaz de consolidar um processo pedagógico ideal. Comprovadamente, todo estímulo que damos aos bebês, desde a barriga, enriquece a sua formação intelectual. A educação infantil é capaz de construir bases sólidas para o desenvolvimento amplo de toda a potencialidade da criança.
Talvez, este seja o momento para repensarmos as diretrizes educacionais, pensando em ampliar a universalização do ensino também para crianças com idade inferior a quatro anos. Esta discussão é enorme e deve ser feita da forma mais qualificada o possível. Esta é uma das agendas para equalizar melhor essa dinâmica, mas não é a principal.
Fato é que, ainda na minha cisma de pensarmos nossa sociedade de uma forma mais sustentável, no sentido de garantir mais qualidade de vida para os seres humanos, a mudança também deve se dar na relação que temos com o mercado de trabalho; todos, homens e mulheres.
Sei que, em tempos de crise e retração de direitos, falar sobre jornadas de trabalho diferenciadas pode parecer um descolamento da realidade, mas afirmo que não é. É bem real a possibilidade de jornadas de um expediente, de forma corrida. Dois turnos no trabalho não permite que tenhamos mais tempo para nos dedicarmos às nossas vidas, à criação dos filhos, nossa saúde e demais.
Com o avanço da tecnologia, internet e hiper conexões, estamos interligados 24 horas com o mundo, mas somos incapazes de entender que as crianças precisam muito de nós presentes nos seus dias; precisamos de quantidade e de qualidade.
A possibilidade de termos mais tempo para nos cuidarmos e ainda assim dedicarmos aos nossos objetivos profissionais é a equação que garantirá o desenvolvimento pleno de nossa sociedade e a forma como terminaremos nosso ciclo nesta terra; mudanças comportamentais deste nível podem em muito impactar a forma como viveremos também nossa velhice.
Precisamos de um novo olhar sobre o começo e o final de nossas vidas. Parece uma reflexão muito filosófica, sobre o começo e o fim. Mas este artigo não tem intenção de ser nada além de prático; precisamos consolidar políticas capazes de garantir que comecemos bem nossas vidas e tenhamos condições de finalizá-las, em toda sua dignidade.
*Dados do Governo do Distrito Federal
Rayssa Tomaz
Secretária de Comunicação do Partido Verde do Distrito Federal.
Imagem: Reprodução