A economia empreendedora adota como elemento propulsor a inovação, entendida como a atitude de combinar recursos existentes em uma nova e mais produtiva configuração que resulte na criação de valor e contribuição à sociedade .
A inovação aplicada como processo sistemático de mudança pode ser um instrumento de desenvolvimento sustentável, quando abrange as dimensões tecnológica, econômica, social e ambiental, e configura-se como fator de mudança econômica e socioambiental ao criar oportunidade para suprir as necessidades da atual e das futuras gerações de forma diferente e/ou nova.
Um modelo de organização integrada de negócios empresariais que vise o modo de produção limpa, a geração de valor e de emprego e renda, respeitando as características locais, e adotando como premissa o equilíbrio entre desenvolvimento econômico, social e a proteção ambiental, no Brasil, ainda pode ser considerado como algo novo, diferente.
Essa forma de organização é denominada de Eco-Parque Industrial – EPI ou Complexo Eco Empresarial, devendo ser entendida como um produto resultante de inovação tecnológica que tem como propósito promover o desenvolvimento sustentado, por meio de sinergias empresariais, que levem a um melhor aproveitamento de subprodutos e tratamento de resíduos, além de gerar benefícios econômicos e sociais.
Trata-se de uma solução estratégica que apresenta uma nova forma de empreender capaz de transformar os processos de produção e proporcionar crescimento econômico ambientalmente sustentado.
Visa atender a crescente demanda do mercado por produtos e processos social e ambientalmente corretos, uma vez que busca otimizar os recursos naturais e minimizar os custos de produção e os efeitos dos resíduos finais.
Fundamentação Teórica
Eco-Parque Industrial insere-se no campo da ecologia industrial, área de conhecimento que vem aumentando em importância e amplitude, apesar de ser relativamente nova. Deriva da integração da teoria de sistemas com o sistema natural. Jay Forrester pesquisador do Massachusetts Institute of Technology – MIT foi o primeiro a observar o mundo como uma série de sistemas interligados. Utilizando esta abordagem, Donela Meadows, no famoso livro The Limits to Growth (Meadows, et alli, 1972), simulou a tendência da degradação ambiental no mundo, em face do aumento populacional, destacando a insustentabilidade do sistema industrial em curso (Garner, 1995).
Robert U. Ayres contribuiu com a formação da ecologia industrial ao analisar o processo industrial como um sistema metabólico, cunhando o termo metabolismo industrial. Trata-se do estudo do fluxo industrial, desde a entrada (insumos e energia), passando pela transformação até a saída (produtos e resíduos), por meio de balanços de massa e energia, que podem identificar processos e produtos ineficientes que resultem em resíduos poluentes, bem como soluções para diminuição dos resíduos.
A visão de Robert Frosch e Nicholas Gallopoulos (1989) transcende a unidade industrial ao afirmarem que o modelo tradicional de processamento industrial – consumo de matérias-primas e energia gerando produtos para venda e resíduos – deve ser transformado em um modelo mais integrado, denominado ecossistema industrial, de funcionamento análogo ao biológico. A integração se realiza na medida em que empreendimentos (processos) aproveitam como insumos ou matérias-primas os resíduos de outros processos (empreendimentos).
Gertler (1995) contribui para o melhor entendimento da ecologia industrial adotando a visão de longo prazo ao processo sistêmico de análise das interações entre os sistemas produtivos.
No livro The Greening of Industrial Ecosystems, Braden Allenby e Deanna Richards, apresentam um compêndio de iniciativas e esforços na resolução de problemas ambientais usando a análise de sistemas. Identificam também algumas ferramentas da ecologia industrial como a contabilidade verde, a análise de ciclo de vida e o projeto para o meio-ambiente (Garner, 1995).
Estes cientistas, e outros, colaboraram para o reconhecimento da ecologia industrial como uma nova área de estudo, fato ocorrido em 1991 no evento Colloqium on Industrial Ecology, realizado no mesmo ano, pela National Academy of Science. Atualmente é considerada por muitos pesquisadores como a ciência da sustentabilidade.
Apesar de ainda não haver consenso sobre o conceito de ecologia industrial, existem pontos convergentes sobre suas características (Garner, 1995; Lowe, 1993 e 2001; e Tibbs, 1992):
- visão sistêmica das interações entre sistemas industriais e o meio;
- orientação para o futuro;
- abordagem multidisciplinar;
- estudo do fluxo e transformação da matéria e energia;
- reorientação do processo industrial;
- utilização de processos cíclicos – reuso e reciclagem;
- maximização da eficiência industrial;
- minimização dos impactos ao meio-ambiente;
- percepção da atividade industrial como um participante harmônico do ambiente ecológico;
- considera os limites de capacidade de carga do planeta e da região; e
- promoção de simbioses industriais e de eco-parques industriais.
A ecologia industrial pode ser abordada de três formas diferentes, dependendo da abrangência de atuação, como mostra o diagrama 1 a seguir.
Diagrama 1: Abrangência da ecologia industrial
Como se verifica no diagrama 1, um Complexo Eco Empresarial ou Eco-Parque Industrial – EPI é uma ferramenta da ecologia industrial na medida em que integra harmonicamente a maior quantidade possível das melhores práticas “verdes” em único ecossistema empresarial, como, por exemplo, métodos construtivos e prédios sustentáveis, redução de gases, energia limpa e reuso de resíduos. Os benefícios ecológicos e econômicos decorrentes da implantação de um EPI refletem na própria comunidade empresarial e na sociedade local.
Conceito
O President’s Council on Sustainable Development – PCSD , no documento Sustainable America: A New Consensus for Prosperity, Opportunity, and a Healthy Environment, de 1996, definiu EPI como um grupo de negócios integrados à comunidade para compartilhar eficientemente recursos (materiais, água, energia, infraestrutura, habitat e informações), incrementar a prosperidade econômica e desenvolver o meio ambiente.
A United States Environmental Protection Agency – EPA conceitua EPI como sendo uma comunidade de indústrias e negócios de serviços que objetivam aumentar o desempenho ambiental e econômico, por meio da gestão colaborativa do meio-ambiente e dos recursos. A comunidade de negócios, trabalhando em cooperação, procura produzir um benefício coletivo maior do que a soma dos benefícios individuais de cada empresa caso estas aperfeiçoem suas performances isoladamente. Utilizando os princípios da ecologia industrial, a comunidade empresarial trabalha em conjunto para se tornar um ecossistema industrial.
O Instituto Indigo Development apresenta um conceito semelhante aos do PCSD e da EPA, contudo mais completo. Define EPI como uma comunidade de empresas (indústrias, comércio e serviços) localizadas conjuntamente em uma mesma propriedade, objetivando aumentar o desempenho ambiental, econômico e social, por meio da colaboração integrada na gestão dos recursos e do meio ambiente. A comunidade empresarial busca um benefício coletivo maior do que a soma dos benefícios individuais que cada empresa alcançaria somente aperfeiçoando o desempenho individual (Lowe, 2001).
Acrescenta que o objetivo é incrementar a performance econômica das empresas participantes enquanto os impactos ambientais são minimizados. Utiliza elementos da ecologia industrial como: o desenho “verde” da infraestrutura e das plantas empresariais, produção limpa, prevenção à poluição, eficiência energética e parceria entre empresas. Visa também garantir às comunidades vizinhas o menor impacto ambiental.
EPIs no Mundo
Conforme o instituto Indigo Development (2009) tanto os setores público como privado iniciaram mais de 100 (cem) projetos de EPIs pela Ásia, Europa, África, América do Norte, América Latina e Austrália. As iniciativas estão em estágios diferentes de desenvolvimento e de forma geral não adotam todos os elementos que caracterizam um eco-parque industrial.
O conceito e os tipos de EPIs são amplos, não existe limitação da forma nem do conteúdo. Qualquer comunidade, esfera de governo, organização social ou empresa pode implantar um parque, bastando usar um ou mais preceitos de sustentabilidade. Todavia, os que apresentam melhores resultados socioambientais são aqueles que agregam a maior quantidade de elementos sustentáveis.
Na China existiam, em 2007, 24 (vinte e quarto) EPIs em atividade, a vasta maioria se originou de aglomerados industriais e somente um foi desenhado e construído em uma área nova com o propósito específico de criação de um EPI – greenfield project.
Para promover o desenvolvimento de EPIs, o órgão estatal chinês de proteção ambiental, denominado State Environmental Protection Administration of China – SEPA se preocupou em construir um EPI modelo como estratégia de efeito demonstração, bem como normatizou as condições de construção e gestão de EPIs por meio de um manual de padronização. Além disso, é responsável pelo desenvolvimento e pela autorização de funcionamento dos EPIs. Os referidos parques são construídos e administrados conforme o planejamento e regulamentação específica do governo chinês.
O desenvolvimento dos eco-parques norte-americanos foi inicialmente fomentado pelo PCSD que recomendou às agências
estatais a assistência a comunidades que pretendiam criar eco-parques.Para acelerar o ritmo de implantação de EPIs, o PCSD (1996) concentrou esforços em três iniciativas: Baltimore, Brownsville e Port Charles. Atualmente existem vários EPIs em diferentes estágios de desenvolvimento, poucos apresentam vários elementos da ecologia industrial.
No Canadá as iniciativas começaram a menos de 20 (vinte) anos e tiveram origem no mundo acadêmico (Peck, 2002). Os principais exemplos de EPI são os de Burnside, Bruce, e Portland. Esses foram criados como parques industriais a partir de simbioses de resíduos entre as indústrias, contudo paulatinamente foram agregando outros conceitos de EPI.
O exemplo clássico de EPI é o de Kalundborg, uma comunidade com cerca de 20.000 habitantes, próximo de Copenhagen na Dinamarca. De fato trata-se de uma simbiose industrial que se iniciou de forma espontânea com o objetivo de obter economias pelo aproveitamento de subprodutos. Funciona de forma colaborativa e integrada objetivando maximizar o benefício econômico e ambiental mútuo, por meio de acordos comerciais entre seus participantes, com base em programas de reutilização de água, de trocas de energia e subprodutos e de reutilização de resíduos.
No Reino Unido a forma de organização mais utilizada é o da simbiose industrial. O National Industrial Symbiosis Programme – NISP, que se autointitulado como a primeira iniciativa de simbiose industrial no mundo em escala nacional, é o órgão estatal de fomento da simbiose industrial. Trata-se de uma entidade privada financiada com recursos públicos e de organizações empresariais que estimula e fomenta a simbiose industrial entre as empresas e entre os vários setores econômicos.
Na Colômbia, registra-se a iniciativa da prefeitura de Bogotá que por meio de plano de gestão ambiental, promove a associação empresarial na forma de EPIs, lá denominados de parques industriais eco eficientes. O principal objetivo do programa é fomentar a integração empresarial de forma competitiva e sustentável, adotando o conceito de eco eficiência, especialmente para o uso da água, da energia e de insumos, eliminando o uso de materiais tóxicos, fortalecendo a reciclagem, reduzindo a zero a geração de resíduos sólidos e efluentes. É utilizado como instrumento de incentivo a concessão de áreas de terreno para implantação dos parques.
A primeira iniciativa brasileira partiu do Estado do Rio de Janeiro. Em 2002, foi criado o Programa de Fomento ao Desenvolvimento Industrial Sustentável do Estado do Rio de Janeiro – Rio Ecopólo, que objetivava: incentivar o desenvolvimento sustentável; gerar emprego e renda; melhorar as condições ambientais e a qualidade de vida; modernizar o parque industrial do Estado; e fomentar a criação de parcerias entre entidades públicas e privadas.
Como instrumento de política pública disponibilizou financiamento e incentivo fiscal às empresas que implantassem projetos de reciclagem de resíduos, reuso de água, produção mais limpa, transformação de resíduos em insumos, uso racional de energia, como também o desenvolvimento de simbioses entre empresas para aproveitamento de resíduos e subprodutos.
Devido à descontinuidade administrativa, provocada pela mudança de poder, o governo estadual deixou de apoiar os três distritos industriais que tentaram se transformar em eco-parques industriais. Atualmente os distritos industriais são empreendidos pelos próprios participantes, todavia ainda apresentam baixa integração entre si e pouco uso de preceitos sustentáveis. As ações de ecologia industrial realizadas visam mais atender a legislação ambiental do que efetivamente transformá-los em EPIs.
A importância estatal no desenvolvimento de EPIs
O EPI é um instrumento de política pública capaz de atrair investimentos ambientalmente corretos que incrementem o desenvolvimento sustentável, gerando emprego e renda à comunidade local.
Com efeito, o poder público pode desempenhar um papel importante no fomento à criação de eco-parques industriais. Nos exemplos citados, não obstante outros existentes na literatura, os governos nacionais e locais de países em desenvolvimento tomam para si a responsabilidade de disseminar, desenvolver e incentivar a cultura empresarial de organização eco-empresarial.
Alguns aproveitam a oportunidade para adotar uma atitude empreendedora, atuando no planejamento, na concessão de benefícios e até mesmo na implantação de EPIs isoladamente ou em conjunto com a iniciativa privada.
A contrapartida governamental também se justifica pelos benefícios resultantes dos investimentos privados em um EPI, como exemplo, a redução dos impactos ambientais, que transcendem o complexo eco-empresarial e afetam positivamente a comunidade local melhorando a qualidade vida.
A presença estatal auxilia até mesmo na consolidação do pleno conceito de EPI, pois quanto maior for a utilização de elementos da ecologia industrial em um EPI, maior será o benefício social gerado.
Paulo Lima, Mestre em Economia.